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Terrorismo, Globalização e Tecnologia

02/09/2016 por Damásio Evangelista de Jesus


A forma atual de terrorismo que a todos ameaça é de uma guerra típica de um mundo globalizado e que utiliza todas as vantagens tecnológicas postas à sua disposição, até mesmo contar com suporte interno nas áreas em que pretende atuar. O impacto é tanto maior, em nível mundial, na medida em que corpos de militantes, transformados em artefatos de destruição, são trazidos para dentro de nossas salas, de nossos quartos. Ninguém está imune. É natural que um fenômeno de tal envergadura, que atinge a todos em todo espaço, direta ou indiretamente, promova um clamor social sem cor e sem bandeira em prol de uma solução jurídica capaz de deter ou pelo menos conter o flagelo dos atos terroristas. Cada nação, de conformidade com sua cultura e tradição diplomática, tem respondido aos apelos da humanidade e contribuído para aperfeiçoar os já existentes e propor novos mecanismos. Há uma vigilância permanente por parte de organismos internacionais, especialmente criados para esse fim, sobre todos os desdobramentos decorrentes de ações terroristas, dos mais diferentes matizes.

Se eu dissesse que há motivos que levam à prática de ações terroristas, estaria de certa forma justificando-as. Elas, no entanto, são indefensáveis, injustificáveis. O que temos são explicações que nos permitem entender o que acontece no mundo. Ao nos debruçarmos sobre o quadro mundial, veremos que o Ocidente (em que pese a perda de significado do termo) desenhou uma geografia perigosa a partir do século XV. Ignorou velhos atritos, criou áreas novas de conflitos, permitiu o recrudescimento de um espírito de revanche, que passa pela Ásia e África e se cristaliza no Oriente Médio, a partir do momento em que ele adquire consciência de seu poder de barganha no campo econômico e de sua pequena significação no campo político. Daí a forçar, por meio de uma nova “guerra santa”, a solução de suas velhas desavenças sobre terras, de soberania, de controle de suas próprias decisões, foi um passo. Qualquer conjunto de medidas, não basta uma, tomado pelos organismos internacionais deve acontecer o mais rapidamente possível e tem no diálogo a sua arma mais poderosa. Não podemos descrer do diálogo, sob pena de perder nossa identidade enquanto espécie, por mais ingênua que essa alternativa possa parecer.

O terrorismo é, em sua base, um problema moral e, como tal, suas manifestações têm que ser analisadas e respondidas sob (e a partir de) um prisma de absoluta isenção de ânimos, reta intenção e o mais objetivamente possível. O contínuo desrespeito às leis internacionais, nos mais variados campos, é uma razão mais do que suficiente para promover um interesse comum em torno da busca de soluções capazes de prevenir e combatê-lo. Desde que o terrorismo assumiu uma lógica assimétrica de fazer a guerra e elegeu a população civil para os seus ataques, colocou em risco a segurança dos cidadãos, as liberdades civis e a própria democracia. Colocou, também, em estado de alerta os seus alvos preferidos que podem estar nos Estados Unidos, países ricos da União Europeia, Rússia, Índia, Japão ou China. O alerta partilhado expressa-se por via de propostas, apoio e aprovação das mesmas em inúmeras resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Antes mesmo do atentado de 11 de setembro, a Resolução n. 54/109, da Assembleia Geral de 09 de dezembro de 1999, firmou um Convênio Internacional para a Repressão do Financiamento ao Terrorismo, cujo objetivo era fazer frente a ele; contou com o apoio de instituições financeiras internacionais que se manifestaram pela elaboração de diretrizes e de um sistema de auto-avaliação capazes de conferir eficácia, além de instrumentos jurídicos internacionais aptos a fundamentá-los. Após o atentado, e ainda em setembro de 2001, foi criado um Comitê contra o Terrorismo que complementou a Resolução n. 54/109, e tinha também a função de vigiar e garantir o cumprimento da Resolução n. 1.373/2001 que declara e define os atos, métodos e práticas terroristas como sendo contrários aos princípios que norteiam o organismo internacional e, como tal devem ser combatidos. A Corte Penal Internacional, fundada no Estatuto de Roma e com vigência a partir de 1.º de julho de 2002, constitui-se na jurisdição especial para julgar crimes considerados de lesa-humanidade. Quanto aos órgãos competentes para julgamento de crimes de terrorismo internacional, primeiramente temos que citar a Corte Internacional de Justiça de Haia (Holanda), principal órgão de justiça das Nações Unidas, que começou a funcionar em 1946. Embora originariamente não pudesse prever esse tipo de terrorismo, sua função primordial é resolver litígios entre países, baseando-se nas convenções e tratados internacionais. Suas decisões são definitivas e sem apelação, embora não disponha de meios coercitivos para impor a aplicação de sanções, sentindo-se prejudicada em seu poder de decisão.

Na passagem do século XX para o século XXI estiveram no auge as discussões para a criação de uma instância jurídico-penal transnacional que gozasse de jurisdição nominalmente global, de caráter permanente e legitimada pela comunidade internacional. Trata-se da Corte Penal Internacional ou Corte Criminal Internacional, cuja legitimidade jurídica é conferida pelo Estatuto de Roma (junho/julho de 1998), e que entrou em vigor em 01/07/2002. Seu objetivo principal é investigar e trazer a julgamento indivíduos (não Estados) que tenham incorrido nos chamados grandes crimes internacionais. Visando, antes de tudo, proteger a pessoa humana, sua dignidade e bem estar, a Corte Penal Internacional teve, para a sua criação, a aprovação de 120 países, 21 abstenções e sete votos contrários, sendo que, entre estes, estavam os Estados Unidos, a China e Israel. O Brasil tem, em relação ao terrorismo, uma posição definida, constitucional, para a qual não cabe qualquer tipo de discussão: inciso VIII do art. 4º da Carta Magna, que determina o repúdio ao terrorismo. Essa postura do Estado brasileiro em ação diplomática reflete, e é consonante com um valor consagrado na ordem interna, no que se refere aos direitos individuais e coletivos (art. 5.º da Carta Magna), especialmente no inciso XLIII que considera o terrorismo crime inafiançável e insuscetível de graça e anistia. Tanto no nível parlamentar, quanto nas esferas do Executivo e Judiciário, há permanente atenção à diferente coloração assumida pelas várias formas de violência cometidas no país. Recentemente, com a aprovação da Presidência da República, em reunião com o Ministério da Justiça, foi criada uma Força Federal para atuar nos Estados: a Força Nacional de Segurança Pública. Trata-se de uma força tática, uniformizada e armada, organicamente integrada à Polícia Federal. Reúne policiais dos Estados e do Comando de Operações Táticas da Polícia Federal (COT). Continuam, porém, os reclamos da Polícia Federal pela construção de uma Escola Superior de Segurança e Proteção Social, bem como a criação de uma Ouvidoria e aumento do efetivo. Quanto à necessidade de debates sobre o problema certamente eles se fazem necessários em todos os níveis, não só na esfera do poder.

Assim como qualquer país, também o Brasil não está livre de risco de atentado. Quanto a estarmos preparados, é uma questão de difícil resolução. Quando os terroristas realizaram o atentado nos centros financeiro e político dos Estados Unidos, em 11 de setembro, deram um triste recado para o mundo: nem mesmo a nação mais poderosa do planeta tem garantias com o seu sistema de segurança. Isto não deve motivar nenhum tipo de paranóia, mas é interessante refletir a que ponto chegou a intolerância desses homens que aspiram pelo martírio, sabem que não tomarão o poder em qualquer lugar do mundo, mas querem exatamente a desestabilização de poderes constituídos, principalmente em países muçulmanos afinados com o Ocidente,  e da sociedade, de um modo geral.

O terrorismo, conforme o conhecemos neste início de terceiro milênio, mais do que qualquer outro tipo de terror conhecido pela humanidade, reúne todos esses elementos elencados na questão. Tem coloração cultural, mas não nos permite falar em embate entre civilizações. Seria negar o multiculturalismo que nos caracteriza enquanto espécie. Os muçulmanos têm tentado imprimir um caráter de guerra santa às suas ações terroristas. A conotação religiosa que existe, entretanto, não é suficiente para caracterizar as ações como de natureza religiosa. Isto porque um bom número de países islâmicos acredita na integração da economia mundial e na comunidade internacional. É um ataque à civilização ocidental, visto de onde têm partido e os alvos visados e, dessa forma, atinge as democracias vigentes porque fere as liberdades individuais e coletivas. Quanto à organização para a prática dos crimes, fala por ela a precisão cirúrgica com que são deflagrados, apesar da variedade de situações escolhidas e as diferentes nacionalidades dos agentes do terror. Sem sombra de dúvida, trata-se de um terrorismo alimentado pela globalização: o estímulo à formação do jovem, o alto grau de capacidade competitiva exigido de homens e de países, as facilidades de comunicação e acesso ao conhecimento sem fronteiras colocados ao alcance de todos pela tecnologia avançada e ousada do fim do século XX. A livre circulação de todos, de qualquer origem, pelo mundo democrático com garantias asseguradas pelo próprio: direitos civis, direito de ir-e-vir, respeito à cidadania, pluralidade étnica, racial e religiosa. Tudo isso tem permitido que terroristas se especializem nas universidades das nações escolhidas como alvos, estabeleçam uma rede de apoio dentro dos próprios países, conheçam os caminhos mais rápidos para a aquisição, guarda e manipulação de armamentos de alto poder de destruição. Somente dessa forma eles têm tido possibilidade de sucesso em suas ações.

Fonte: Carta Forense.

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