STF | Direito à saúde e dever de o Estado fornecer medicamento - 2 | Direito à saúde e medicamento sem registro na Anvisa - 2


REPERCUSSÃO GERAL

Direito à saúde e dever de o Estado fornecer medicamento - 2

O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute o dever de o Estado fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave sem condições financeiras para comprá-lo.

No caso, o Estado-Membro havia sido condenado a fornecer medicação para tratamento de doença grave. Na decisão judicial atacada, o ente havia alegado que privilegiar o atendimento de um único indivíduo comprometeria políticas de universalização do serviço de fornecimento de fármacos, em prejuízo dos cidadãos em geral. Dessa forma, debilitaria investimentos nos demais serviços de saúde e em outras áreas, como segurança e educação. Além disso, violaria a reserva do possível e a legalidade orçamentária — v. Informativo 839.

O ministro Marco Aurélio (relator) aditou o voto proferido na sessão anterior. Ele propôs a seguinte tese: o reconhecimento do direito individual ao fornecimento, pelo Estado, de medicamento de alto custo, não incluído em política nacional de medicamentos ou em programa de medicamentos de dispensação em caráter excepcional, constante de rol dos aprovados, depende da demonstração da imprescindibilidade (adequação e necessidade), da impossibilidade de substituição, da incapacidade financeira do enfermo e da falta de espontaneidade dos membros da família solidária em custeá-lo, respeitadas as disposições sobre alimentos dos artigos 1.649 a 1.710 do Código Civil e assegurado o direito de regresso.

Para o relator, a existência de familiar possuidor de meios para prover os custos do remédio, sem prejuízo de vida econômica normal e gratificante, poderia ser apontada como fato extintivo do direito pleiteado. Porém, tal condição é mitigada pelo condomínio de obrigações da União, dos Estados, dos Municípios e da família inerente à matéria.

Então, considerando-se o fator tempo, vital em questões relativas à saúde, e presumindo-se que haja familiar em situação econômico-financeira suficiente a proporcionar o remédio, se o Estado for acionado em Juízo, este deverá alegar o fato e requerer, ante o direito de regresso, a citação do familiar abastado e omisso. Afinal, ausente a espontaneidade do familiar, incumbe ao Estado atuar em nome da coletividade, sem prejuízo dos consectários legais. Descabe, a pretexto de ter-se membro da família com capacidade econômico-financeira de prover certo medicamento, eximir-se pura e simplesmente da obrigação de fornecê-lo, portanto.

Por fim, o ministro rememorou que o Estado-Membro recorrente havia silenciado quanto à integração da União na relação processual no polo passivo. Seria, portanto, impossível ressuscitar essa matéria. Esclareceu, ainda, que o recurso extraordinário havia sido analisado com base nas causas de pedir versadas pelo recorrente.

Em voto-vista, o ministro Roberto Barroso desproveu o recurso extraordinário em face da incorporação, no curso do processo, do medicamento em questão pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Afirmou que, no caso de demanda judicial, o Estado estaria obrigado a fornecer medicamento incorporado pelo SUS. Em tais circunstâncias, caberia ao Judiciário apenas efetivar as políticas públicas já formuladas no âmbito do sistema de saúde. Nessa hipótese, deve-se exigir apenas que o requerente comprove: a) a necessidade do fármaco; e b) a prévia tentativa de sua obtenção pela via administrativa.

Já no caso de demanda judicial por medicamento não incorporado pelo SUS, inclusive de alto custo, o Estado não pode ser, como regra geral, obrigado a fornecê-lo. Não há sistema de saúde que resista a um modelo em que todos os remédios, independentemente de seu custo e impacto financeiro, devam ser oferecidos pelo Estado a todas as pessoas. É preciso, tanto quanto possível, reduzir e racionalizar a judicialização da saúde, bem como prestigiar as decisões dos órgãos técnicos, conferindo caráter excepcional à dispensação de medicamentos não incluídos na política pública.

Segundo consignou, para o deferimento, pelo Poder Judiciário, de determinada prestação de saúde, cinco requisitos cumulativos devem ser observados: a) a incapacidade financeira de arcar com o custo correspondente; b) a demonstração de que a não incorporação do medicamento não resultou de decisão expressa dos órgãos competentes; c) a inexistência de substituto terapêutico incorporado pelo SUS; d) a comprovação de eficácia do medicamento pleiteado à luz da medicina baseada em evidências; e e) a propositura da demanda necessariamente em face da União, já que a ela cabe a decisão final sobre a incorporação ou não de medicamentos ao SUS.

Propôs, ainda, a observância de um parâmetro procedimental: a realização de diálogo interinstitucional entre o Poder Judiciário e os entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, a exemplo das câmaras e dos núcleos de apoio técnico em saúde dos tribunais, além dos profissionais do SUS e da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC). O diálogo, inicialmente, serviria para aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento. Em um segundo momento, no caso de deferimento judicial do fármaco, determinaria que os órgãos competentes (CONITEC e Ministério da Saúde) avaliassem a possibilidade de sua incorporação ao SUS, mediante manifestação fundamentada.

O ministro Edson Fachin deu parcial provimento ao recurso. Acolheu a alegação de que o Estado-Membro recorrente não poderia ser condenado a custear sozinho o medicamento, por tratar-se de dispensação excepcional. Ressaltou que haveria a necessidade de a União compor o polo passivo da ação. Afirmou ser o direito à saúde assegurado a todos na Constituição. Enfatizou, também, haver direito subjetivo às políticas públicas de assistência à saúde, configurando-se violação a direito individual líquido e certo a sua omissão ou falha na prestação, quando injustificada a demora em implementá-la.

Para o ministro, as tutelas condenatórias visando à dispensa de medicamento ou tratamento ainda não incorporado à rede pública devem ser, preferencialmente, pleiteadas em ações coletivas ou coletivizáveis, de forma a conferir-se máxima eficácia ao comando de universalidade que rege o direito à saúde. A tutela de prestação individual não coletivizável deve ser excepcional. Desse modo, para seu implemento, é necessário demonstrar não apenas que a opção diversa à disponibilizada pela rede pública decorre de comprovada ineficácia ou impropriedade da política de saúde existente para o seu caso, mas também que há medicamento ou tratamento eficaz e seguro, com base nos critérios da medicina baseada em evidências.

Para aferir tais circunstâncias na via judicial, propôs os seguintes parâmetros: a) prévio requerimento administrativo, que pode ser suprido pela oitiva de ofício do agente público por parte do julgador; b) subscrição realizada por médico da rede pública ou justificada impossibilidade; c) indicação do medicamento por meio da Denominação Comum Brasileira ou DCI – Internacional; d) justificativa da inadequação ou da inexistência de medicamento ou tratamento dispensado na rede pública; e e) laudo, formulário ou documento subscrito pelo médico responsável pela prescrição, em que se indique a necessidade do tratamento, seus efeitos, e os estudos da medicina baseada em evidências, além das vantagens para o paciente, comparando-o, se houver, com eventuais fármacos ou tratamentos fornecidos pelo SUS para a mesma moléstia.

Na espécie, o acórdão recorrido deixou nítida a conclusão de ser devida a dispensa do medicamento não incorporado em virtude da efetiva necessidade de manutenção da vida da autora, da inexistência de substituto na rede pública e do fato de ela não ostentar condições de adquiri-lo.

Por fim, em obediência ao princípio da segurança jurídica, propôs serem preservados os efeitos das decisões judiciais prolatadas nas instancias ordinárias que versem sobre questão constitucional submetida à repercussão geral, inclusive as sobrestadas até a data deste julgamento.

Em seguida, o julgamento foi suspenso em virtude do pedido de vista do ministro Teori Zavascki.
RE 566471/RN, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 28-9-2016. (RE-566471)

Direito à saúde e medicamento sem registro na Anvisa - 2

O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute o dever do Estado de fornecer medicamento não registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) — v. Informativo 839.

O ministro Marco Aurélio (relator) aditou o voto proferido na sessão anterior e propôs a seguinte tese: O Estado está obrigado a fornecer medicamento registrado na Anvisa, como também o passível de importação, sem similar nacional, desde que comprovada a indispensabilidade para a manutenção da saúde da pessoa, mediante laudo médico, e tenha registro no país de origem.

Rememorou que, na assentada anterior, havia concluído no sentido da impossibilidade de ter-se a obrigatoriedade do Estado de fornecer medicamento não aprovado pela Anvisa.

Assim se manifestou a partir do disposto no art. 12 da Lei 6.360/1976 (“Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde”). A parte final do preceito sinaliza a necessidade de registro do remédio em órgão público. Porém, quando editada a lei, a Anvisa não estava encarregada de realizar o registro, segundo o próprio regulamento (Decreto 3.029/1999).

O ministro esclareceu que a formalidade legal é atendida pela manifestação da Anvisa. Dessa forma, é preciso levar em consideração não só os registros específicos verificados como também o teor da Resolução RDC 8/2014 da Anvisa, a “autorizar a importação de medicamentos constantes na lista de medicamentos liberados em caráter excepcional destinados unicamente a uso hospitalar ou sob prescrição médica, cuja importação esteja vinculada a uma determinada entidade hospitalar e/ou entidade civil representativa ligadas à área de saúde, para seu uso exclusivo, não se destinando à revenda ou ao comércio”.

A resolução estabelece, ainda, critérios para a inclusão de fármacos na lista de medicamentos liberados à importação em caráter excepcional, desde que siga as cautelas constantes da própria resolução. Uma vez enquadrado o remédio no que nela previsto, tem-se o cumprimento da exigência legal.

Sob o ângulo da inexistência do medicamento no Brasil, a resolução, ao versar regras para inclusão de remédios na lista para importação em caráter excepcional, o faz da seguinte forma: a) indisponibilidade do medicamento no mercado brasileiro; b) ausência de opção terapêutica para a indicação pleiteada; c) comprovação de eficácia e segurança do medicamento por meio de literatura técnico-científica indexada; d) comprovação de que o medicamento apresenta registro no país onde está sendo comercializado, na forma farmacêutica, com via de administração, concentração e indicação terapêutica requerida. O parágrafo único do art. 3º do ato normativo prevê, ainda, a exclusão do remédio constante de lista de liberados para importação excepcional se ele não atender a qualquer dos critérios de inclusão.

O ministro Marco Aurélio também ponderou que o art. 12 da Lei 6.360/1976 é explícito ao vedar a industrialização, a exposição à venda ou a entrega ao consumo de medicamento sem que antes haja o registro. Norma proibitiva deve ser considerada tal como se contém. Nesse sentido, foge ao alcance situação concreta, respaldada em laudo médico, a revelar necessário, indispensável à saúde, certo remédio, sem similar nacional, devidamente registrado no país de produção. Nesse caso, independentemente de constar ou não da lista de que cogita a resolução da Anvisa (RDC 8/2014), o Estado está compelido a cobrir o custo de importação do fármaco designado comumente como órfão.

Conclusão diversa implica submeter a sobrevivência do ser humano a ato estritamente formal (deliberação da Anvisa no sentido da inserção na lista de importação autorizada). Pois não se trata de industrialização ou comercialização, mas de atendimento a necessidade maior, individualizada, de pessoa acometida por doença rara. Em geral, nessas situações, o produto somente é encontrado em país de desenvolvimento técnico-científico superior, e o paciente não deve nem pode ficar à míngua.

Desse modo, com ou sem autorização da Anvisa, haja vista não ser o caso de industrialização ou comercialização no território brasileiro, e sim de importação excepcional para uso próprio, individualizado, cumpre ao Estado viabilizar a aquisição.

O ministro Roberto Barroso, em voto-vista, deu parcial provimento ao recurso, para determinar o fornecimento do medicamento pleiteado, já que, no curso da ação, ele foi registrado na Anvisa e incorporado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para dispensação gratuita. Segundo o ministro, como regra geral, o Estado não pode ser obrigado a fornecer, por decisão judicial, medicamentos não registrados na Anvisa. Trata-se de um meio para garantir proteção à saúde pública, atestado de eficácia, segurança e qualidade dos fármacos comercializados no País, além de assegurar o devido controle de preços.

No caso de medicamentos experimentais, sem comprovação científica de eficácia e segurança, e ainda em fase de pesquisas e testes, não há nenhuma hipótese em que o Poder Judiciário possa obrigar o Estado a fornecê-los. Isso não interfere com a dispensação desses fármacos no âmbito de programas de testes clínicos, acesso expandido ou de uso compassivo, sempre nos termos da regulamentação aplicável.

No caso de medicamentos com eficácia e segurança comprovadas e testes concluídos, mas ainda sem registro na Anvisa, seu fornecimento por decisão judicial assume caráter absolutamente excepcional e somente poderá ocorrer na hipótese de irrazoável mora da Anvisa em apreciar o pedido (prazo superior a 365 dias). Ainda nessa situação, porém, será preciso que haja prova do preenchimento cumulativo de três requisitos: a) pedido de registro do medicamento no Brasil; b) registro do medicamento pleiteado em renomadas agências de regulação no exterior; e c) inexistência de substituto terapêutico registrado na Anvisa. Ademais, haja vista que o pressuposto básico da obrigação estatal é a mora da agência, as ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na Anvisa deverão necessariamente ser propostas em face da União.

O ministro Edson Fachin proveu integralmente o recurso extraordinário para determinar à parte recorrida o fornecimento imediato do medicamento pleiteado. Para ele, há, nos autos, notícia do registro do fármaco em questão, assim como de sua inclusão no âmbito da política de assistência à saúde. Portanto, há direito subjetivo da recorrente de obter o referido remédio.

Segundo o ministro, a definição do direito à saúde como demanda ética à equidade não conduz a outra resposta que não o reconhecimento de garantias de um mínimo existencial e de efetiva participação. Essa garantia, materializada na atuação do Poder Judiciário, impõe que se realize de modo não cumulativo: a) controle de legalidade, vale dizer, não deve haver erro manifesto na aplicação da lei nem pode existir abuso de poder; b) controle da motivação, ou seja, aferir se as razões do ato regulatório foram claramente indicadas, estão corretas e conduzem à conclusão a que chegou a Administração Pública; c) controle da instrução probatória da política pública regulatória, isto é, exigir que a produção de provas, no âmbito regulatório, seja exaustiva, a ponto de enfrentar uma situação complexa; e d) controle da resposta em tempo razoável, o que impõe à agência o dever de decidir sobre a demanda regulatória que lhe é apresentada, no prazo mais expedito possível (CF, art. 5º, LXXVIII).

Em caso de descumprimento dos parâmetros de controle da atuação da regulação, o Poder Judiciário deve garantir a participação. Pode, para tanto, determinar que o tema seja novamente apreciado ou que haja manifestação da Administração Pública sobre as situações pontuais que não foram objeto de deliberação. A participação garante, portanto, que a demanda dos cidadãos seja oposta à comunidade científica e por ela apreciada em devida conta. Não autoriza a validar como regra medicamento ou procedimento não reconhecido pela agência. Há, porém, exceção: demonstração, em juízo, do descumprimento dos controles fixados para a política regulatória.

Em seguida, o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista do ministro Teori Zavascki.
RE 657718/MG, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 28-9-2016.

Boletim AASP | O Direito Marítimo no Brasil

Boletim AASP | O Direito Marítimo no Brasil

N. 3012 - 10 a 16 de outubro de 2016

Entrevista com o advogado especialista Luiz Henrique Pereira de Oliveira

Pouco difundido ou mesmo explorado pelo meio jurídico, o Direito Marítimo teve origem nas primeiras navegações e delimitações das rotas marítimas, devido à necessidade de se estabelecerem regras para a intensa prática comercial da era antiga.

Fruto do Código Comercial francês, o Código Comercial brasileiro de 1850 adotou o conceito de avaria grossa, que é o de se evitar o mal maior quando constatado o dano causado voluntariamente no transporte marítimo de cargas, caracterizando o inadimplemento contratual do transportador, desde que não tenha sido causado pelo próprio comandante, tripulação ou equiparados.

Aproveitando o seminário realizado na sede da AASP pela Comissão de Direito Marítimo e Portuário da Ordem dos Advogados do Brasil, no último mês de setembro, sobre a prática do Direito Marítimo, conversamos com o presidente da Comissão, o advogado especialista Luiz Henrique Pereira de Oliveira, com a proposta de aproximar os profissionais do Direito ao tema – sua legislação, tipo de contratos, a prática da mediação realizada nos conflitos portuários, as novidades e interação do assunto com o novo Código de Processo Civil. Acompanhe:

Boletim: Como podemos definir o Direito Marítimo? Está vinculado a algum tribunal e legislação?

Luiz Henrique Pereira de Oliveira: Historicamente, o Direito Marítimo surgiu como um conjunto de normas consuetudinárias e de natureza especial, sendo regulado pelos usos e costumes da navegação e pelas práticas internacionais do comércio marítimo conhecidas como lex mercatoria.

Sob uma análise contemporânea, o Direito Marítimo é considerado pela doutrina um ramo autônomo, consoante expressa disposição do art. 22, inciso I, da Constituição Federal. Essa autonomia é sustentada pelo fato de se tratar de um ramo do Direito com fontes, conceitos e regras próprias. 

Embora possua caráter multidisciplinar, pois interage com os mais diversos ramos do Direito, o Direito Marítimo é, sem dúvida, muito mais afeto ao Direito Comercial do que, por exemplo, ao Direito Civil.

Nesse panorama, a melhor conceituação seria a de que se trata de um ramo especial, autônomo e de caráter multidisciplinar, que sistematiza o tráfico marítimo e as relações emanadas do mercado de shipping, ou seja, do mercado da navegação marítima.

E sua essência não se confunde com o Direito do Mar, que é muito mais afeto ao Direito Público e regulamenta a ordem jurídica para os mares e oceanos para facilitar a comunicação entre os Estados e suas relações, atinentes ao tráfego marítimo internacional, etc.

Assim, o Direito Marítimo regulamenta as relações entre os diversos atores que integram o mercado de shipping. Exemplificando, cito as disputas envolvendo o transportador marítimo e o importador nas hipóteses de avarias de mercadorias ocorridas a bordo.

Atualmente, a grande maioria das disputas relativas à área é travada no Judiciário, que não possui varas especializadas no processamento e julgamento de conflitos em torno do tema. O tribunal mais afeto às questões do Direito Marítimo é o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que criou as chamadas “Varas Empresariais”, que julgam, por competência, algumas questões atinentes ao Direito Marítimo.

Ainda com relação à resolução de disputas, é de fundamental importância citar o papel do Tribunal Marítimo, sediado no Rio de Janeiro – órgão autônomo, auxiliar do Poder Judiciário e vinculado ao Ministério da Marinha –, e que possui como uma de suas principais atribuições julgar os acidentes e fatos da navegação marítima, fluvial e lacustre.

Composto por juízes com elevado conhecimento técnico sobre a matéria, a fim de assegurar maior segurança jurídica às decisões proferidas, possui natureza substancialmente jurisdicional, com atuação essencialmente auxiliar do Poder Judiciário. Repise-se que, neste caso, a atuação do Tribunal Marítimo cinge-se ao julgamento dos acidentes e fatos da navegação, como nas hipóteses de naufrágio, encalhe, colisão, abalroamento, explosão, etc.

No tocante à legislação, a principal norma que regula a matéria é o Código Comercial de 1850, cuja “Parte Segunda”, que trata do “Comércio Marítimo”, ainda permanece em vigor. Além do Código Comercial, contamos com diversas normas esparsas que também tratam da matéria. São normas especiais como o Decreto nº 19.473/1930 (regula os conhecimentos de transporte), o Decreto nº 116/1967 (dispõe sobre as operações de transporte de mercadorias nos portos brasileiros) e aLei nº 9.611/1998 (regulamenta o transporte multimodal de cargas), entre tantas outras. O Direito Marítimo também sofre a influência de tratados e convenções internacionais, que constituem importante fonte do Direito Internacional Privado. Posso citar a Convenção de Bruxelas, da qual o Brasil não é signatário, mas ainda assim produz reflexos no Direito nacional.

Boletim: A conciliação representa importante ferramenta na resolução de conflitos. O que pode ser dito a respeito da mediação e arbitragem no Direito Marítimo atual? Qual a parcela optante por essas modalidades?

Luiz Henrique Pereira de Oliveira: Muito oportuna a pergunta. Primeiramente, é importante esclarecer que a conciliação é uma forma de solução de conflitos em que as partes, por meio da ação de um terceiro, o conciliador, chegam a um acordo, solucionando a controvérsia. Nesse caso, o conciliador terá a função de orientá-las e ajudá-las, fazendo sugestões de forma que melhor atendam aos interesses dos dois lados em conflito.

Em seguida, a mediação é uma forma de solução de conflitos em que um terceiro neutro e imparcial auxilia as partes a conversar, refletir, entender o conflito e buscar, por elas próprias, a solução. Nesse caso, as próprias partes é que tomam a decisão, agindo o mediador como um facilitador. Geralmente na mediação o assistido conta com o apoio de uma equipe de profissionais multidisciplinar para também ajudar na resolução do conflito relacional com a outra parte.

Por fim, a arbitragem é uma forma de solução de conflitos em que as partes, por livre e espontânea vontade, elegem um terceiro, o árbitro ou o tribunal arbitral, para que este resolva a controvérsia, de acordo com as regras estabelecidas no Manual de Procedimento Arbitral das Centrais de Conciliação, Mediação e Arbitragem. O árbitro ou tribunal arbitral escolhido pelas partes emitirá uma sentença que terá a mesma força de título executivo judicial, contra a qual não caberá qualquer recurso, exceto embargos de declaração. É o árbitro, juiz de fato e de direito, especializado no assunto em conflito, exercendo seu trabalho com imparcialidade e confidencialidade.

Dentre os meios alternativos para a resolução de conflitos, a arbitragem é a que mais tem evoluído no âmbito do Direito Marítimo. Assim, em relação à arbitragem, contamos com um incremento cada vez maior quando se busca a solução de conflitos.

Destacamos suas características principais:

• Presteza: em que disputas pequenas podem ser resolvidas em curto prazo (entre três e seis meses), enquanto litígios mais complexos podem levar entre 12 e 18 meses em média.

• Qualidade técnica das decisões: possibilidade de escolha de árbitros com profundo conhecimento sobre o tema.

• Versatilidade: os procedimentos podem ser ajustados conforme as características do caso e interesse das partes.

• Confidencialidade: os processos seguem em sigilo, exceto na arbitragem portuária.

• Efetividade: as decisões proferidas em sede de arbitragem podem ser facilmente executadas dentro do território nacional.

• Redução de custos: o encurtamento do prazo para solução do litígio reduz o agravamento dos valores envolvidos, bem como os custos e despesas.

Embora no Brasil ainda exista uma “cultura do litígio”, temos evoluído bastante em relação à arbitragem, com a criação de Centros de Arbitragem, a exemplo do Centro Brasileiro de Arbitragem Marítima (CBAM) e do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), que também conta com árbitros especializados em Direito Marítimo.

Assim, com a criação desses Centros de Arbitragem e a evolução do Direito Marítimo, a tendência é que os envolvidos optem cada vez mais por essas formas alternativas de solução de litígios.

Boletim: Diante de informação extraída do site da Marinha do Brasil, cerca de 95% do comércio exterior (importações e exportações) é realizado pelo mar, ou seja, boa parte do desenvolvimento dessas atividades é realizada via portos. Diante dessa realidade, como pode ser avaliada a situação da área portuária brasileira? Estamos preparados para a demanda atual?

Luiz Henrique Pereira de Oliveira: O porto é a principal porta de entrada para os produtos, tanto para exportação como para a importação. Logo, os investimentos nesta área deveriam ser constantes para que o Brasil não fique para trás em relação a outros países, já que um porto lento que não investe em novas infraestruturas acaba por depreciar o comércio do país, gerando grandes prejuízos para o Estado, para o empresariado brasileiro e, especialmente, para os trabalhadores portuários.

Infelizmente, por uma falta de política de Estado, e não de governo, cada vez mais nosso comércio exterior e nossa logística, especialmente de transportes, estão nas mãos de quem nada entende do tema, ou, se entende, possui interesses diversos.

Além de aumentar a necessidade de aporte de recursos ao Setor de Infraestrutura, temos que evitar o desperdício de dinheiro por dificuldades de execução, em especial no setor público, e a baixa qualidade por falta de planejamento, falhas de projetos e normas regulatórias, que se não equivocadas, são mal redigidas, por assim dizer.

Não podemos somente criticar os aspectos operacionais que impactam nosso comércio exterior. Muito importante se notar que nossos parlamentares em todas as instâncias, em sua grande maioria, pouco ou nada entendem de comércio exterior e em especial de portos.

Se nossas autoridades preterissem as escolhas políticas e dessem lugar às técnicas, deixariam de ocasionar inúmeros diagnósticos equivocados e projetos custosos de êxito discutível, tendo em vista que as “maravilhosas soluções” que vez ou outra são destaque nos cadernos especializados dos jornais só servem para onerar ainda mais os cofres públicos, pois seus resultados não justificam o investimento realizado.

Com toda certeza a posição brasileira no comércio exterior seria outra, o que realmente traria inúmeros benefícios ao país.

Conclui-se também que é competência de um governo manter o porto em bom funcionamento para que os produtos nacionais possam ser vendidos no exterior com valor competitivo, ou seja, embarque de maneira mais rápida para que a demora não reflita no preço do produto no exterior, devido aos impostos praticados no embarque, já que isto reflete no valor dos impostos no exterior, e sendo o Brasil o maior exportador de minério do mundo, o maior produtor de grãos do mundo, seguindo para ser o maior produtor de petróleo do mundo, é de fundamental importância que se tenha uma política de Estado permanente para o desenvolvimento dos portos brasileiros. Assim, posso afirmar, sem qualquer receio, que não estamos totalmente preparados para essa demanda, mas, como dito, a posição brasileira poderia ser outra em relação ao comércio exterior.

Boletim: O senhor poderia nos dizer quais as principais diferenças entre contrato de afretamento e de transporte?

Luiz Henrique Pereira de Oliveira: O contrato de transporte tem como objeto a prestação desse serviço, com obrigação de resultado e responsabilidade objetiva, regidos pelo Código Civil. Os contratos de afretamento (que podem ser por tempo, por viagem ou a casco nu) têm como objeto a utilização de embarcações, com obrigação de meio regida no Brasil pelo Código Comercial. As cláusulas constantes em ambos os contratos e, consequentemente, as obrigações e responsabilidades das partes em ambos os regimes são distintas.

Boletim: O novo CPC trouxe alguma novidade com relação ao Direito Marítimo?

Luiz Henrique Pereira de Oliveira: No que diz respeito ao novo CPC, torna-se importante antes de qualquer coisa ressaltar o veto da ex-presidente Dilma Rousseff em relação à força executiva das decisões proferidas pelo tribunal marítimo.

Por outro lado, a maior novidade do novo CPC em relação ao Direito Marítimo ocorreu com a suspensão do processo judicial. Enquanto a questão relativa a acidentes e fatos da navegação estiver pendente de julgamento no tribunal marítimo. Tal disposição foi inserida no art. 313, inciso VII, e, como dito, foi a principal novidade trazida pelo novo diploma processual, que também regula questões importantes como as avarias grossas e a ratificação de protesto marítimo, todavia já havia previsão destes institutos no Código de 1973 e mesmo no de 1939, cuja previsão legal continuava a ser adotada.

CARTA FORENSE: Doença Rara no Supremo: Saúde em Primeiro Lugar!

ENSAIO

04/10/2016 por Nicholas Merlone

Um caso de doença rara, recentemente, chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). O relator, Ministro Marco Aurélio Mello, modificou o voto exposto antes com o mote de incluir a chance de se importar remédios não fabricados ou comercializados no País, não registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Por sua vez, o Ministro Luís Roberto Barroso argumentou em favor da liberação via decisão judicial em casos excepcionais, uma vez que aceitos certos requisitos. Enquanto isso, o Ministro Edson Fachin indicou balizas mais criteriosas para se proporcionar remédios, selecionando igualmente pressupostos para o aceite. O ministro Teori Zavascki, por fim, requereu o direito de vista e se suspendeu o julgamento, de modo indefinido.

A Separação dos Poderes, na História, surgiu na Grécia Antiga, com esboços sobre o tema por Aristóteles, configurando precedentes a respeito do assunto. Contudo, ganhou relevo com o passar dos anos, de modo que, no século XVIII, com o movimento do constitucionalismo, passou-se a limitar o poder do Estado Absoluto, através de constituições escritas, com a atribuição de direitos fundamentais ao povo. Nessa fase, esses direitos ficaram configurados como direitos de 1ª. Geração, ligados à ideia de liberdade, como um não-fazer do Estado. Dentre os quais, destacam-se: i) liberdade de reunião; ii) liberdade de locomoção; e iii) liberdade de expressão.

Nesse período, o Barão de Montesquieu, em sua obra Espírito das Leis, aparece com a clássica Divisão Espacial de Poderes: a) Legislativo; b) Executivo; e c) Judiciário. Os poderes, assim, deveriam conviver em harmonia e independência, por exemplo, com mecanismos de controle, tais como o sistema de freios e contrapesos (checks and balances).

Na realidade, essa divisão seria melhor denominada separação de funções, já que, em certa medida, existem as funções típicas e atípicas de cada Poder. Um exemplo seria o Judiciário aplicando a lei ao caso concreto, quando julga um conflito de interesses (típica); ou legislando, como na situação do seu Regimento Interno (atípica).

Note-se, assim, que ao poder em pauta é permitido legislar em se tratando da norma que regerá a sua organização e funcionamento. Todavia, o mesmo não se é autorizado, em se tratando da produção de normas gerais para a sociedade, competência, na verdade, cabível ao Legislativo.

Pois bem, conforme Maria Paula Dallari Bucci, os direitos de 2ª. geração surgiram como forma de concretizar os direitos de 1ª. geração. Como exemplo, o direito à educação aparece para assegurar o direito de liberdade de pensamento. Desse modo, os direitos sociais, tidos como de 2ª. geração, implicam um fazer do Estado Social, ou seja, uma prestação positiva.

No panorama do direito à saúde, este último assume tríplice dimensão: 1) subjetiva; 2) objetiva; e 3) desenvolvimentista. A primeira liga-se ao indivíduo; a segunda, por sua vez, à sociedade; e, por fim, a terceira ao desenvolvimento estatal. (cf. Sueli Dallari; Vidal Serrano)

Desse modo, deve-se atender aos anseios coletivos, sociais. Isto é, por meio de políticas públicas – p.ex. urbanas, ambientais e saneamento básico – atuar na prevenção de doenças. No âmbito desenvolvimentista, deve-se primar pela saúde, investindo no social, para conseguir avanços econômicos no País.

Destarte, atendendo essas perspectivas anteriores, não se deve ignorar a dimensão individual, subjetiva. Está sedimentado na Constituição brasileira, no artigo 5º., XXXV, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

O STF, ao lidar com o caso em tela, firmando requisitos e condições, nada mais está do que legislando, isto é, invadindo a competência do Legislativo e, com isso, ferindo a Tripartição de Poderes.

Com efeito, já se sugeriu a criação de Varas Especializadas para tratar do direito à Saúde, o que, no futuro, pode ocorrer. Enquanto isso, há a Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), órgão composto com representantes de diferentes segmentos da sociedade, o que confere a diversidade de opiniões, oxigenando, assim, os posicionamentos adotados.

Por ora, devemos lembrar da dignidade da pessoa humana, direito garantido pelo Texto Máximo, que assegura o mínimo existencial do indivíduo. Este fundamento da República brasileira é, então, norteador das relações humanas e se trata de base principiológica enraizada no diploma constitucional.

Portanto, de modo global, deve-se, primeiramente, focar-se no âmbito social, com políticas públicas preventivas já elencadas por nós aqui. Depois, deve-se investir no social para obter retorno no prisma econômico, aliás, nesse rumo, como defendia Celso Furtado. E, por fim, não menos importante, voltar-se ao indivíduo, a dimensão subjetiva, que não deve ser ignorada.

Finalmente, critica-se que atendendo a um caso específico, seria prejudicada a dimensão coletiva. Ora, embora haja o princípio da solidariedade, sendo a Saúde de competência comum dos entes federativos, não adianta se exigir a prestação de Municípios em prol do caso, por razões óbvias de orçamento. Todavia, a União e alguns Estados teriam talvez menor problema, em lidar com a situação.

Fonte: Carta Forense.

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