"Um bom programa de compliance, setor em franco crescimento no Brasil, tem que envolver a cúpula das companhias: o exemplo tem que vir de cima"
Débora Crivellaro
Executivos na City, em Londres. SHAUN CURRY (AFP)
A crise institucional que o Brasil atravessa tem potencial para
provocar uma revolução positiva no meio empresarial. As organizações
reagiram às investigações sobre corrupção com um mergulho interno
visando promover profundas mudanças na sua estrutura que possa
blindá-las dos problemas. Faz parte das medidas instalar controles
internos para evitar práticas fraudulentas e estimular denúncias
anticorrupção. É o que as companhias chamam de compliance, uma área em
franco crescimento no país. A palavra em inglês que se apoderou do
vocabulário dos executivos locais quer dizer agir de acordo com a norma,
mas também em conformidade com a ética e regras de transparência.
Alguns
setores estão mais preparados do que outros para o desafio. A área
financeira, por exemplo, já está mais madura na implantação dessas
equipes, até por exigência de seus próprios negócios. O banco Itaú, com 90 mil funcionários e controlado por diversas instituições, como a Comissão de Valores Mobiliários e o Banco Central,
sabe que precisa ter cuidado redobrado para não cometer deslizes. O
setor de compliance da empresa já está estruturado há cerca de uma
década e tem em seus quadros 180 pessoas. Lá, qualquer reunião tem uma
ata ao final. Criação ou modificação de produto depende de aprovação de
órgãos superiores. Há treinamento constante de funcionários, que assinam
termos de conduta, declarando ter conhecimento de todas as regras a que
estão submetidos. Lá, a principal regra, estampada em todas as paredes,
é: “Ética é inegociável”.
Há uma razão mais palpável, ainda: o prejuízo para o caixa das
empresas. Um estudo da americana FTI Consulting mostrou que 83% das
multinacionais instaladas em países emergentes sofreram perdas causadas
por subornos e fraudes. “Esses prejuízos levaram as organizações a
reestruturar e fortalecer suas áreas de compliance, porque isso afeta
diretamente seus recursos financeiros”, afirma Marcelo Coimbra, sócio do
Fleury, Coimbra & Rhomberg (FCR Law). A reação se faz ver em
cifras: de acordo com pesquisa da consultoria Deloitte, em 2013, 30% das
empresas pesquisadas no Brasil afirmaram ter um programa de compliance.
Esse percentual subiu para 65% no ano passado.
O efeito das investigações no Brasil se faz sentir até em companhias como a multinacional Kimberly Clark,
que há uma década já tinha uma forte de equipe de controle interno, mas
a incrementou justamente com as operações da Polícia Federal, há dois
anos. A equipe de compliance dá treinamento para os 4.000 funcionários
da empresa, incluindo o alto escalão, ensinando desde técnicas de
conduta numa eventual negociação até alertando como alguém pode vender
informações secretas de concorrentes. Desvios de condutas e ilegalidades
de todo tipo são discorridos, para evitar deslizes. Depois, as pessoas
passam por provas escritas.
Marina Coelho, professora de compliance no Insper,
diz que, para funcionar, os programas tem de necessariamente envolver a
diretoria das companhias. "A diretoria tem que estar engajada no
programa, o exemplo precisa vir de cima. Também é necessário criar um
bom canal de denúncia, onde as pessoas se sintam confiantes para falar
sobre o que está acontecendo na companhia”, explica Coelho. Segundo a
professora, o programa de compliance também só funciona se há algum tipo
de sanção em caso de desvio de conduta dos funcionários ou diretores.
Coelho ressalta ainda que, além de prevenir más condutas, os
mecanismos de controle interno agregam valor ao produto das empresas.
“As pessoas já não querem mais comprar produtos de empresas que praticam
crimes ambientais, usam trabalho escravo ou são corruptas. Os
consumidores no exterior já estão bem atentos a isso e esse movimento
tende a crescer no Brasil”.
Na Petrobras, a ação de Due Diligence de Integridade,
que integra o Programa Petrobras de Prevenção da Corrupção, requer de
empresas fornecedoras informações sobre relacionamento com agentes
públicos, e seu histórico de integridade, que vão compor uma nota de
Grau de Risco de Integridade (GRI), entre baixo, médio ou alto. Este é
um dos critérios que são considerados para garantir a participação de
potenciais fornecedores em licitações da Petrobras.
De acordo com o advogado Gustavo Lemos Fernandes, do escritório Emerenciano, Baggio e Associados,
uma empresa tem de ter frentes para evitar fraudes e fortalecer sua
cultura interna: os departamentos de gestão de risco, compliance e
crise. “Destes, os dois primeiros precisam caminhar muito perto e em
harmonia”, afirma Fernandes. Apesar do aumento do controle detectado nas
empresas, o volume de companhias que detém uma estrutura legal e um
envolvimento real do conselho administrativo é muito pequeno. “O Brasil
ainda está muito atrasado e engolindo quadrado essa nova legislação”,
afirma o advogado. Fernandes fala da Lei Anti-Corrupção, vigente desde
2014, utilizada para detectar quais eram as práticas ilegais dentro das
empresas. Uma cartilha da Controladoria Jurídica da União (CJU) prevê,
inclusive, que as companhias podem ter suas penalidades reduzidas se
adotarem práticas de compliance.
Fonte: EL País.
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