Luís Roberto Barroso: Momento Institucional Brasileiro e Uma Agenda para o Futuro

Legislação & Direito

Por Nicholas Merlone

Publicado originalmente Aqui, no Contemporaneidades.
 
No dia 26 de junho, ocorreu a palestra “Momento Institucional Brasileiro e Uma Agenda para o Futuro”, proferida pelo Ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Roberto Barroso, no Insper, em São Paulo. Na ocasião, estiveram presentes Marcos Lisboa, presidente do Insper, e Caio Farah, da FGV-Rio, como debatedores.




Barroso iniciou sua palestra alertando que se vive um momento difícil, que podemos ser pessimistas. Segundo o ex-ministro do STF, Ayres Britto, por Barroso, seria como se o médico trouxesse uma notícia ruim para o doente. Teria um dia de vida. Desde quando? Ontem.  Porém, Barroso diz que do limão se pode fazer limonada, e daí aproveitarmos a oportunidade para contribuir para o desenvolvimento do País.

Barroso, assim, elenca três pontos: 1) fatos positivos da História do Brasil; 2) diagnóstico severo; e 3) reflexões sobre a agenda para o futuro.




Primeiro, temos 30 anos de democracia. Um longo período de instituições funcionando. Tivemos Impeachments de Presidentes, com a legalidade institucional funcionando; a inflação galopante do passado foi superada com o plano Real, trazendo a estabilidade frente à hiperinflação de múltiplos planos econômicos anteriores fracassados; e medidas contra a corrupção que vêm sendo bem sucedidas como o Mensalão e a Lava Jato. Além disso, tivemos uma relevante inclusão social - vitória contra a miséria; atingimos as metas do milênio, ocorreu o desenvolvimento humano, com a inclusão econômica, e, por fim, 30 milhões de pessoas deixaram a pobreza absoluta.


Segundo, um diagnóstico severo. Barroso discorreu sobre a corrupção e como esta se encontra entranhada nas instituições brasileiras. Segundo ele, trata-se de um pacto de cumplicidade, de modo a institucionalizar a corrupção. Para Barroso, não se salva o mundo com o Direito Penal, Estado Policial e o Poder Judiciário. É preciso, assim, investimentos em educação e a realização do debate público. O ministro aponta que o Direito Penal é ineficaz, uma vez que não pune poderosos (“ricos delinquentes”), os “crimes do colarinho branco”, “crimes contra a Administração Pública”. “O ganho é fácil e a pena é baixa”, o que estimula a corrupção. Ninguém deseja o Estado Policial. Os processos devem terminar, punindo-se os responsáveis. Princípios constitucionais como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, devem ser respeitados, para materializar o Estado Democrático de Direito em oposição ao Estado Policial. O Direito Penal, de outro lado, deve ser igualitário, punindo-se pobres e ricos, na medida em que ocorre a violação à lei.


É necessário um Estado que faça Justiça. O Ministério Público deve investigar pelo inquérito os ricos delinquentes. Para tanto, o Estado começaria a se democratizar, tornando-se uma República. Só que não. Temos no Brasil uma República de Bananas, que envia tudo para debaixo do tapete. Nessa disputa, é preciso escolher um lado: construir um país melhor, honesto. Acabar com a cultura de impunidade da corrupção. O STF deve responsabilizar penalmente o andar de cima. Importa dizer que a Jurisprudência no País muda conforme o réu.


A questão do Foro Privilegiado. O STF guardião da cidadania / justiça não deve julgar processo penal. A esse propósito: “Medida de proteção a membros de diversas esferas dos três poderes é questionada na Suprema Corte e enfrenta Propostas de Emendas à Constituição no Congresso com pedidos de restrição de alcance e até sua extinção”. A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) n. 10 / 2013, após aprovação no Senado Federal vai iniciar a sua tramitação na Câmara dos Deputados. 

A PEC estipula a modificação de sete artigos da Constituição brasileira (arts. 53, 86, 96, 102, 105, 108 e 125) para extinguir o foro por prerrogativa de função em casos de crimes comuns, mesmo os realizados no decorrer do exercício do mandato, com exceções ao Presidente da República, aos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e ao Presidente do STF. A proposta depende da aprovação das Comissões da Câmara e de três quintos do Plenário, em dois turnos, além da sanção presidencial. (v. Evolução da democracia brasileira. Qual o Limite do Foro Privilegiado? Jornal do Advogado. Maio / 2017. Ano XLII. Número 427. OAB / SP. p. 16)


Ademais, segundo Barroso, deve haver uma reforma política para o Brasil. Em 2006, realizou uma proposta sobre o sistema partidário, em um trabalho acadêmico. Hoje, defende o modelo do semipresidencialismo, em que o Presidente nomeia o Primeiro Ministro indicado pelo Congresso Nacional, nomeia os cargos das relações internas, trazendo estabilidade. Com relação ao sistema eleitoral, diz que o sistema proporcional é problemático, já que muitos são eleitos sem terem quantidade de votos suficientes, sendo “puxados” por outros com votação expressiva. Assim, a solução seria o sistema distrital misto, uma vez que aproxima o eleitor do político. Além disso, defende a cláusula de barreira para evitar a proliferação de partidos. Numa democracia, não seria papel do Judiciário judicializar a política. Seria preciso, sim, acabar com o sistema que fomenta a corrupção, mudando o sistema eleitoral. No cenário, atenta para as verbas desviadas que poderiam ser utilizadas para saúde, educação e estradas.


Então, defende com urgência uma reforma do sistema político. Caso contrário, se andaria em círculos. Seria preciso um novo sistema, com jovens na política. No mais, as relações entre os Poderes se caracterizam pelo fato de as instituições estarem funcionando bem, atendendo as demandas sociais, de modo que não cabe ao Judiciário ser garantidor dos direitos, não deve ser protagonista nesse panorama. Infelizmente, tem ocorrido a judicialização das demandas sociais, uma vez que estas não estão sendo atendidas pelos Poderes Políticos, que na verdade deveriam concretizá-las. É, assim, necessário um diagnóstico necessário, correto. “Não podemos varrer a corrupção para debaixo do tapete”, afirma Barroso. Deve-se evitar se tornar uma República de Bananas. A Reforma Política deve, através do povo, exigir que o Congresso Nacional acabe com a usina de corrupção.

Terceiro ponto: reflexões sobre a agenda para o futuro. Para Barroso, deve-se concretizar o que chama de Sistema Liberal Progressista. Este último se funda em um tripé: 1) Democracia; 2) Livre iniciativa; e 3) Distribuição de Renda.


A Democracia deve materializar o governo do povo. A Livre iniciativa deve trazer inovação, competição para o sistema produtivo, perdendo o preconceito e desconfiança por parte de uns, na visão de que lucro e sucesso são ruins. Deve-se, assim, incentivar o empreendedor inovador. Para Barroso, não cabe mais o Capitalismo de Estado, com financiamentos públicos, sem igualdade social. É preciso rever a cultura vigente, de forma que o palestrante menciona “A Ética Protestante e o ‘Espírito’ do Capitalismo” de Max Weber.


No que se refere à obra de Weber, cabe dizermos que busca compreender um fenômeno notado na passagem do séc. XIX ao XX: o maior desenvolvimento capitalista dos países protestantes e de mais protestantes entre os proprietários do capital, empresários e outros de níveis superiores de mão-de-obra qualificada. Weber buscou solucionar a esse tema para que o capitalismo fosse compreendido não em termos estritamente econômicos e materiais, como um modo de produção, mas como um “espírito”, ou seja, uma cultura, uma conduta de vida, cujas bases morais e simbólicas se encontram enraizadas na tradição religiosa dos povos de tradição protestante puritana. (cf. Max Weber. A Ética Protestante e o “Espírito” do Capitalismo.)


É preciso, assim, um redimensionamento do Estado, segundo Barroso. Deve-se buscar um Estado mais enxuto, reduzindo-se drasticamente o Estado brasileiro. Nesse cenário, devemos derrotar a crença de que onde estão os programas sociais se gasta grande parte do orçamento. Devem-se, então, valorizar a livre iniciativa e buscar o redimensionamento do Estado.

Nesse quadro, Barroso tratou também da Reforma da Previdência. Hoje, há um déficit de R$ 180 Bi. É, portanto, preciso atentar para a situação. Igualmente, Barroso abordou a Reforma Tributária, devendo-se simplificar o sistema e, além disso, realizar a compliance tributária e buscar um modelo mais retributivo. Quanto à reforma trabalhista, é preciso valorizar os direitos sociais num sistema onde não se cumpre a lei.


Apesar de tudo, o melhor caminho é a Educação. Esta última deve estar no topo da lista, ser um projeto de País. Porém, é subvalorizada. Deve ter um planejamento a longo prazo, sendo uma política suprapartidária. Não deve ser alvo de disputas políticas. Na crise econômica e política do País, valorizaram-se o Ministro da Fazenda, o Presidente do Banco Central e do BNDES, sendo a Educação objeto de racha político. É preciso, assim, uma educação de qualidade, com a pedagogia moderna, trazendo afeto, respeito e conhecimento para a sala de aula.


Nesse sentido, é preciso, segundo Barroso, políticas sociais como as de habitação, mobilidade urbana e de saúde, para reduzir doenças como o Zika e a Dengue. Não somente atacar a crise fiscal.

É preciso saber que ser honesto vale a pena. É preciso gente qualificada trabalhadora. É preciso bons exemplos, gente séria. Como diz um presidente de Centro Acadêmico citado por Barroso, não queremos viver em outro país, queremos viver em outro Brasil.

Barroso, na ocasião, lembra da vinda da Família Real para o Brasil, em 1808. Somente nessa época melhorias foram realizadas. Os portos antes eram fechados. Não havia dinheiro, estradas, manufaturas e escolas. Trata-se, desse modo, de período recente da História Brasileira. Vivemos, então, numa época não tão distante.


Depois disso, no evento, realizou-se uma mesa de debates. Marcos Lisboa em tom pessimista levou Barroso a cogitar se seria o caso de estocar comida. Lisboa, assim, expôs na verdade, em tom menos pessimista, que, apesar de grande parte dos problemas já virem de longa data, estamos enfrentando-os. Todavia, faltaria transparência, clareza dos princípios políticos públicos. Para ele, a reforma da Previdência resolveria parte dos problemas, quando, de fato, os problemas na realidade seriam estruturais. A Previdência seria um problema a longo prazo, devendo-se parar de agravar os custos públicos. Segundo Lisboa, a agenda do País precisa de maior diálogo entre as diversas áreas, do Judiciário às relações econômicas. É preciso, assim, um maior diálogo entre a Economia e o Direito, de modo a “fazer o justo dar o possível”, para enfrentar os problemas.


Com relação à transparência pública, destacamos a Lei Federal de Acesso à Informação (Lei Federal n. 12.527/2011), bem como o Decreto Estadual de SP n. 60.144/2014, que institui a CEAI (Comissão Estadual de Acesso à Informação).


Nessa direção, é preciso instituir a accountability, ou seja, a prestação de contas. Isto é, não existe essa ferramenta no ordenamento jurídico, que, portanto, deveria ser instituída, como forma de fiscalização das contas públicas.

Caio Farah, o outro debatedor, diferencia dois tipos de discursos no tocante à corrupção. O moralizante que seria dogmático, pouco tolerante, podendo ser vazio. E o institucional com caráter programático.


Então, o debatedor aponta a corrupção pontual, podendo ser combatida pelo Direito Penal. E a corrupção sistêmica que se combate pela Educação.

Num momento de inflexão, tendo a operação Lava Jato como exemplo de combate à corrupção, indica na realidade que vivemos numa aliança oligárquica no Brasil, com políticos burocratas e não numa genuína democracia. Lembra, por fim, da série “House of Cards”, em que não se quer somente o dinheiro, mas, sim, a perpetuação no Poder.


Barroso, então, defende uma nova narrativa que una o País, um projeto de País na agenda política. Defende, assim, a multirreligiosidade, a livre iniciativa, o combate à pobreza. Critica as maquiagens das contas públicas, isto é, a contabilidade criativa e as pedaladas fiscais. Defende a consciência social e econômica brasileira. Lembra que os programas sociais na verdade começaram com Fernando Henrique Cardoso e, depois, tiveram seguimento com Lula. Aponta ainda a necessidade de inovação jurídica, em detrimento da burocracia legislativa. Diz que, na realidade, a corrupção não tem ideologia (esquerda ou direita). É preciso, assim, o apoio da sociedade unida, com a atuação em sintonia entre o Ministério Público e o Judiciário. Lisboa, no contexto, menciona que os programas sociais na realidade não contribuíram para atenuar as desigualdades sociais, mas para reduzir a pobreza extrema.


Aproximando-se do encerramento de nossa exposição, vale destacar, em tempo, no tocante à reforma política: “A reforma política constitui e tem se apresentado como tema recorrente a demandar a atenção da classe política, dos juristas que, invariavelmente, se envolvem na defesa ou na linha crítica de um ou outro de seus inúmeros e variados itens, dos cientistas políticos, sociólogos, filósofos, enfim, da própria imprensa e da mídia. A cada encerramento de consulta eletiva, proliferam os debates e as discussões acerca de um elenco inflacionário de propostas. Algumas do velho repertório, outras novas extraídas da engenhosa imaginação de seus criadores.” (v. Monica Caggiano. Reforma Política. Um Mito Inacabado. p. 12)


Diante do exposto, buscamos realizar um diálogo entre a Economia e o Direito, para nas palavras de Lisboa: “fazer o justo dar o possível”.

Pois bem, numa visão econômica: “A solução desse problema exige um esforço de reconstrução de estruturas tanto no sentido de dotar as economias de centros dinâmicos próprios como no de capacitá-las para uma ação mais flexível nos mercados internacionais.” (cf. Celso Furtado. Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico. p. 280)


Enquanto isso, numa visão jurídica: “Em outras palavras, a estabilidade do regime ideal está em que a correlação entre as forças reais da sociedade possa se expressar também nas instituições políticas. Isto é, seria necessário que o funcionamento das instituições permitisse que o poder das forças sociais contrariasse e, portanto, moderasse o poder das demais.” “Lida desta forma, como propõe Althusser, a teoria dos poderes de Montesquieu se torna vertiginosamente contemporânea. Ela se inscreve na linha direta das teorias democráticas que apontam a necessidade de arranjos institucionais que impeçam que alguma força política possa a priori prevalecer sobre as demais, reservando-se a capacidade de alterar as regras depois de jogado o jogo político.” “No fundo, toda teoria política clássica é por natureza contemporânea.” (cf. Montesquieu. In: Weffort (Org.) Os Clássicos da Política. p. 120)


Portanto, depreende-se que é preciso rever as instituições econômicas, reconstruindo-se as estruturas de modo a se dotar a economia brasileira com centros dinâmicos próprios, bem como capacitá-la a uma ação mais flexível nos mercados internacionais. Igualmente, é preciso rever os arranjos institucionais para impedirem que alguma força política possa prevalecer sobre as demais, firmando-se a estabilidade do regime ideal, onde existe a correlação entre as forças reais da sociedade, expressando-se da mesma forma nas instituições políticas. Desse modo, é preciso que o funcionamento das instituições autorizasse que o poder das forças sociais contrariasse e, assim, moderasse o poder das demais. É preciso, assim, que Direito e Economia deem as mãos e juntos alterem as instituições anacrônicas brasileiras, possibilitando um desenvolvimento socioeconômico verdadeiro, sustentado em sólidas bases em prol da nação brasileira e do próprio País. Para tanto, é preciso um projeto de Estado em detrimento dos interesses pessoais egoísticos.


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